terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sonhos viajantes

"São viagens, as aspirações que preenchem o meu caminho. São quilómetros percorridos, os causadores da minha felicidade.

O vento é o sabor de cada viagem que faço.
Deixo-me guiar por paladares pouco vulgares, deixando-me perder por entre deslumbrantes lugares.

As rotas quando incertas, são as direcções mais certas a tomar, pois a magia de cada lugar está na invulgaridade que possui. O que é vulgar está aos olhos de qualquer um, já o que é de um certo e misterioso modo invulgar, apenas é revelado aos mais curiosos viajantes.

A curiosidade é o portal da descoberta, em qualquer que seja a viagem feita."

Sonhos viajantes
https://www.facebook.com/sonhosviajantes?fref=ts

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Escrever...


     "Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. 
Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso."


Fernando Pessoa

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Se eu pudesse viver agora.


Olha bem! Consegues ver? 
Bem lá fundo, aquela porta, podes ir se tiveres coragem.
A coragem sempre foi o que te faltou, sempre. 

Ai se eu vivesse agora.
Se eu pudesse viver agora.

Não posso. Vive tu! Alguém ali atrás diz que tem que ser agora.

Deixa o medo em casa. Sai e fecha a porta, não lhe digas que vais e muito menos quando voltas. Se ele não souber vai embora, para outra casa que lhe abra a porta. O matreiro entra sem ser convidado e deixa-se estar sem pedir autorização, sem permissão. 

Ai se eu vivesse agora.
Se eu pudesse viver agora.

Não posso. Vive tu! Alguém ali à frente chama por ti. É a coragem.

Essa que vem e fica. Gosta de sorrisos e bem falares, de atitude e dos responsáveis. Brinca e fá-lo bem. Mas não fica por convite, fica por verdade. 

Olha bem para a porta, do outro lado está a coragem. 
Aqui, onde te mostro, está o medo. 

Ai se eu vivesse agora.
Se eu pudesse viver agora.

Vive tu!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Alma Gémea



"Nós pensamos que a alma gémea é a pessoa com a qual encaixamos perfeitamente, que é o que toda a gente quer.
Mas a autentica alma gémea é um espelho, é a pessoa que te tira tudo o que tens reprimido, que te faz virar o olhar para dentro para que possas mudar a tua vida. 
Uma verdadeira alma gémea é, seguramente, a pessoa mais importante que vais conhecer na tua vida, porque te deita a baixo todos os muros e te acorda com uma pancada"
Elizabeth Gilbert

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Um lugar vazio...


"Ontem chorei. Por tudo o que fomos. Por tudo o que não conseguimos ser. Por tudo o que se perdeu. Por nos termos perdido. Pelo o que queríamos que fosse e não foi. Pela renúncia. Por valores não dados. Por erros cometidos. Acertos não comemorados. Palavras dissipadas. Versos brancos. Chorei pela guerra quotidiana. Pelas tentativas de sobrevivência. Pelos apelos de paz não atendidos. Pelo amor derramado. Pelo amor ofendido e aprisionado. Pelo amor perdido. Pelo respeito empoeirado em cima da estante. Pelo carinho esquecido junto das cartas envelhecidas no guarda-roupa. Pelos sonhos desafinados, estremecidos e adiados. Pela culpa. Toda a culpa. Minha. Tua. Nossa culpa. Por tudo o que foi e voou. E não volta mais, pois hoje é já outro dia. 
Chorei.
Apronto agora os meus pés na estrada.
Ponho-me a caminhar sob o sol e vento.
Vou ali ser feliz e já volto."

Caio F. Abreu

sábado, 3 de agosto de 2013

Se vem por mal, não venha!

" (...) Respondo não aos seus dotes de sedução, mas ao seu lado perdido que - presunção minha! - me pareceu tão evidente no seu olhar. Enfim, respondo não ao mal que você me pode trazer, mas ao bem que julgo ter entrevistado no mais fundo de si. 
Desse homem não tenho nada a temer, porque não me fará mal. (...) Não é verdade que você não me fará mal? Que podemos apenas acabar uma conversa interrompida numa noite de luar, num terraço debruçado sobre o Verão?
Sim, eu sei que faço demasiadas perguntas, mas, se a sua resposta for sim a estas perguntas, dar-lhe-ei um sinal para que nos voltemos a encontrar. Até lá, rogo-lhe que não faça nada. E, quando for para vir, se vier por mal, não venha. Eu respeitá-lo-ei por isso, ainda mais. E guardarei de si uma recordação sempre querida."



sexta-feira, 12 de julho de 2013

A coragem mora no coração

Malala Yousafzai uma menina cheia de coragem! Fez-se notar através do seu blog (http://www.malala-yousafzai.com/) mostrando uma realidade altamente perturbadora na sua terra natal Swat, Paquistão. Foi baleada no crânio por um miliciano do regime Tehrik-i-Taliban Pakistan, em Outubro de 2012. Depois de uma operação de risco e a luta pela sobrevivência, Malala deixou o hospital em Janeiro de 2013. 
A luta agora é outra, uma luta que permitirá que todas as crianças do mundo possam receber educação, principalmente as meninas. 
Hoje é o seu aniversário, 16 anos, e a corajosa Malala estará na sede das Nações Unidas com um objectivo: educação para todos!
Tal como Ban Ki-moon, secretário Geral das nações unidas, escreveu "A educação é o percurso para salvar vidas, construir a paz e para capacitar os jovens. Esta é a lição que Malala e milhões como ela procuram ensinar ao mundo. Os parceiros internacionais e os governos devem ouvi-los e agir. (...) No aniversário de Malala prometamos entregar o melhor presente para todos – educação de qualidade para todas as raparigas e rapazes no mundo."
Parabéns doce menina! <3


quinta-feira, 27 de junho de 2013

"A memória"

Casa de Papel, crónica
Valter Hugo Mãe
Revista 2, jornal púbico, domingo 24 de Março de 2012 


"O Nelson Mandela está a perder a memória e não vai lembrar-se nunca mais de que é um homem sagrado. Morrerá anónimo para si mesmo, indiferente ao mundo e ao quanto ajudou cada um de nós. Vai desconhecer como foi perseverante, como conquistou a lucidez, não vai saber da sua inteligência superior ou da magnitude da sua beleza. Leio a notícia enquanto atravesso uma extensa sala do casino de Macau. A alcatifa florida engana o chão. Julga o chão que é perfumado, que vive de alguma forma, que sonha. Pousam as mesas e as cadeiras onde os homens obstinados agem automaticamente, como máquinas de estender e recolher fichas. Ausentes. Sem nada dentro. Penso que estou num lugar com corpos sem nada dentro e que o Nelson Mandela ficará assim, ausente, uma máquina de si mesmo apenas para respirar mais um tempo, até não respirar.
Faltava comover-me em Macau, se é verdade que me ando a comover nas terras todas. Passei os olhos no jardim do chão, a fazer de conta que o jardim se levantava e que punha o mundo bonito para que a minha aparente tristeza fosse acudida pela sensibilidade que nos inspiram as coisas bonitas, as coisas vivas. Queria que a vida aparente fosse efectiva. Que a vida se inventasse por um desenho, se criasse pela semelhança.
Somos todos ainda feitos dos mais absurdos preconceitos. Ainda vamos na primária quanto ao respeito e à aceitação. Somos horríveis para as diferenças, os diferentes, sem entendermos que para sermos iguais disfarçamos tudo, para parecermos iguais. Somos contra os gordos e os feios, os sensíveis e as mulheres, somos contra os pretos, os amarelos e os vermelhos, os de olhos em bico, os morenos, os muito brancos, as loiras, as crianças, os funcionários do McDonalds. Somos contra toda a gente. Metemos nojo.
Eu queria ser merecedor do Nelson Mandela. Queria que, se algum dia me tivesse visto, pudesse achar-me imperfeito sem tragédia. Apenas imperfeito e muita vontade de chegar onde ele chegou: ao lugar puro de sentir, de pensar. O Lugar puro de se ser. Quem se objectiva por menos, pensa mal da oportunidade de viver. Quando as notícias vierem dizer que o Nelson Mandela já não quem é, tenhamos a fortuna de lho dizer e de o dizer a toda a gente e para sempre. Quem não tiver a fortuna de saber acerca do Nelson Mandela anda vazio dos bolsos da alma. Tem muito menos hipóteses de se engrandecer à altura da incrível ocasião de existir. Penso assim, que são homens como ele que apontam o quanto é incrível existir. O resto pode ser apenas aparente. Um casino de flores falsas e gente perdida para dentro da sua própria couraça."


terça-feira, 18 de junho de 2013

Felicidade em Portugal


"A felicidade, em Portugal, é considerada uma espécie de loucura. Porquê? Porque os portugueses, quando vêem uma pessoa feliz, julgam que ela está a gozar com eles. Mais precisamente: com a miséria deles. Não lhes passa pela cabeça que se possa ser feliz sem ser à custa de alguém." MEC



domingo, 28 de abril de 2013

Friendly tea


"Iam as duas lado a lado. De vez em quando, o ombro de uma ia de encontro ao da outra. 



- Calada?
- Não, em silêncio.
Continuaram a andar. 
- Café?
- Não, chá.



Sentadas numa esplanada em noite fria, tomaram então um chá.
Uma delas rodava a chávena delicada no pires como se a quisesse fazer dançar. A outra aquecia as mãos geladas na chávena. Ao mesmo tempo, ambas olharam para os novelos de fumo que se desprendiam do liquido quente e gargalharam ao verem os mesmos a tomar formas e feitios. E de repente uma delas deixou de rir. Lembrou-se de uma frase tirada de um filme.

- Já tiveste alguém que fizesse esquecer o teu passado?
- Não.
- Não?
- Não, porque com esse alguém o meu presente consegue sempre ser pior do que o meu passado.

E dito isto, continuaram a ver formas e feitios no fumo do chá, continuando a gargalhar.
Afinal, o que poderia haver melhor do que uma boa companhia e um chá?"
                                                                                                                          Paula dos Santos



segunda-feira, 15 de abril de 2013

Não queiras saber de mim

Não queiras saber de mim
Esta noite não estou cá
Quando a tristeza bate
Pior do que eu não há
Fico fora de combate
Como se chegasse ao fim
Fico abaixo do tapete
Afundado no serrim

Não queiras saber de mim
Porque eu estou que não me entendo
Dança tu que eu fico assim
Hoje não me recomendo

Mas tu pões esse vestido
E voas até ao topo
E fumas do meu cigarro
E bebes do meu copo
Mas nem isso faz sentido
Só agrava o meu estado
Quanto mais brilha a tua luz
Mais eu fico apagado

Dança tu que eu fico assim
Porque eu estou que não me entendo
Não queiras saber de mim
Hoje não me recomendo

Amanhã eu sei já passa
Mas agora estou assim
Hoje perdi toda a graça
Não queiras saber de mim
Carlos Tê e Rui Veloso


domingo, 31 de março de 2013

Viajar

      
    "Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de história, imagens, livros ou televisão. Precisa viajar por si, com os seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sobre o próprio tecto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como ele é ou pode ser: que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." - Amyr Klink "Mar sem fim"

terça-feira, 26 de março de 2013

Só um mundo de amor pode durar a vida inteira



"O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. 

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. 

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. 
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? 

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. 

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. 

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. 
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também. "

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'

quarta-feira, 13 de março de 2013

Dançamos?

Dançam como se tivessem nascido para a dança, só e apenas para a dança.
Abraçam-se e rodam a pista, qualquer pedaço de terra é deles e as árvores rendem-se à melodia. Não há música mas os corpos cantam, a saia roda, as mãos unem-se e o sol brilha. 
São leves desde o dia em que ela calçou o sapato e ele vestiu o casaco. Não mais pararam e ninguém os fará parar. Dançar ilumina-os e dá-lhes vida, a eles e a quem passa por eles. E são tantos. 
Ela usa perfume fresco que viaja pelas folhas, flores e todos os cantos do mundo.
Ele sente-lhe o cheiro, sabe que não o irá esquecer e guarda-o. Inspira e guarda. 
Ela ri, como uma criança, ele acompanha. Riem os dois daquelas dança para tolos, daquela dança para um e para dois, daquela dança de todos! Não se cansam, nem nunca se vão cansar. 
O que os faz dançar é o amor, a paixão e a vida.
Ele deixa-a brilhar quando lhe larga a mão, depois pede-lhe perdão e abandona a pista, deixando a bailarina rodar sozinha de sorriso rasgado. 
Ela não deixa de sorrir...
Ela sabe que a dança nunca morre.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ponto de luz

Acordei, lentamente. Senti os raios solares a queimarem-me a pele, estava quente. Fui abrindo os olhos, lentamente. Quis levantar-me devagar e perceber o que tinha acontecido, corria uma brisa quente. Olhei para a frente mas a claridade dificultava-me a visibilidade, levei a mão à cara numa tentativa de auxílio. Senti o teu cheiro, os meus dedos cheiravam a ti. É um cheiro quente, um aconchego nas noites frias de inverno, há um rasgo de perfume, recordo o teu bom gosto. Estou sentado sem perceber onde, sinto o meu corpo pesado e o meu único pensamento és tu. Recordo que te magoei, a ti, a mim, não percebo como mas estou arrependido. Sinto-me desconfortável, ansioso. Com as minhas mãos tensas agarro a cabeça e pouso os cotovelos nas pernas, fecho os olhos com força e esforço-me para me lembrar o que me fez estar aqui. Sinto-me morto. Tento esquematizar os meus pensamentos, apenas tu e o teu cheiro ocupam a minha mente e eu grito para mim, PENSA. Rompe-me uma lembrança de uma peça de teatro que vi no ano passado, o actor gritava "UM" sem perceber, era o único pensamento que tinha, acompanhado de muitas perguntas. Juntaram-se mais dois actores que ironizavam com a situação do primeiro, ele tinha morrido e não percebera, era o seu primeiro dia. Será? O um não me ocorre. Sinto alguma dificuldade em movimentar-me, o meu corpo está pesado e reparo que estou coberto de um pó meio acastanhado, uma areia demasiado fina. Se estivesses aqui já estavas a fazer desenhos no chão, a marcar as tuas impressões digitais em tudo o que é lado, és tão "ameninada", sempre foste, irritava-me e enchia de uma forma maravilhosa a minha vida. É possível? Ainda me lembro quando te vi pela primeira vez, rias e ficavas séria em segundos, pensei que fosses actriz, juro. Com alguma dificuldade levanto-me e atrevo-me a dar um pequeno passo. Consigo andar e isso dá-me algum alento, sorrio. Continuo sem conseguir olhar em frente, a claridade quase que me cega, olho para as minhas botas sujas de lama seca, são as botas do trabalho. Porque é que não estou a trabalhar? Será que caí numa das obras e estou a sonhar? Ou em coma? Sempre achaste uma barbaridade quando dizia que gostava de viver a sensação de um coma, eu ria à fartazana e tu franzias a testa, eu parava. A minha boca pede água, os meus lábios estão secos e alguns pingos de suor percorrem-me a cara, custa-me engolir e a sensação de arrependimento voltou, despertou o meu batimento cardíaco. Como foi que te deixei ir? Fico assustado com a pergunta que faço a mim mesmo. Como foi que te deixei ir? Como te deixei ir? 
Caio, assim. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Carminho

 (http://ritacarmo.blogspot.pt/)

Carminho, filha da fadista Teresa Siqueira, estreou-se a cantar em público, no Coliseu de Lisboa, com apenas 12 anos. Foi considerada revelação feminina de 2009 com o seu primeiro álbum “Fado”.  

Como nasceu a paixão pelo fado?

O fado esteve sempre presente na minha vida, a minha mãe é fadista há muitos anos e sempre frequentámos casas de fado, anos depois a minha mãe teve a sua própria casa, portanto foi um tipo de música constante na minha infância.

Apesar de cresceres rodeada pelo fado seguiu um caminho diferente: Marketing e publicidade...

Independentemente daquilo que ia fazendo, daquilo que ia estudando, dos objectivos que tinha, sempre cantei fado e por isso sempre pensei que fosse um hobbie e não uma profissão. Chegou a altura de seguir para a universidade e escolhi aquilo que achava que queria fazer, Marketing, só mais tarde é que se veio a verificar que ia optar pelo fado a tempo inteiro.
Depois de acabar o curso fui fazer uma viagem para tentar descobrir um pouco mais de mim, dos meus gostos, descobrir a minha verdadeira vocação. Foi ai que percebi que realmente gostava muito de cantar fado, que tinha meios e condições de fazer disso uma profissão e, então, tomei a minha decisão.

No teu blogue, soldados do cozido, falas dessa viagem. Qual o sítio que mais te marcou? Revela-nos um episódio especial.

Escolher apenas um sítio é difícil, houve vários que me marcara, a Índia, por exemplo, foi um dos sítios mais marcantes, não só pela sua cultura tão diferente da nossa, e tão estranha para nós, mas porque fiz voluntariado que me permitiu conhecer muitas pessoas criando laços muitos firmes.
Tenho imensos episódios especiais. Lembro-me de uma vez, na Índia estar a caminho do trabalho e um macaco roubar-me a comida que tinha na mão. Ainda tentei ir atrás dele, mas não consegui, os macacos são espertos.

Qual foi a área de actuação durante o voluntariado? Como é que isso te ajudou no auto-conhecimento?

Na área humanitária, trabalhei com moribundos, pessoas que estão à beira da morte. O meu trabalho consistia em tentar tornar a vida dessas pessoas mais confortável, proporcionando um pouco mais de dignidade antes de morrerem.
Ajudou-me imenso, ajudou-me a perceber os meus limites, a perceber as minhas aptidões, a descobrir várias formas de poder comunicar com as outras pessoas, através de sinais que nós temos. E, claro, ajudou-me a descobrir a mim mesma.

Quais são as tuas maiores referências como cantora?

A minha grande referência é a minha mãe. Mas durante toda a minha vida ouvi muito Beatriz da Conceição, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Fernando Maurício, Camané, entre muitos outros. Tenho imensas referências.

O que é o fado para ti?

Essa é uma pergunta difícil de responder. A definição de fado é sempre diferente para cada pessoa. O fado é a forma como se sente, como se recebe ou se dá sentimentos. Na minha opinião, é um momento onde há uma troca entre o fadista e os músicos que transmitem os seus verdadeiros sentimentos, ou aqueles que querem traduzir, ao público, e que estes também têm que estar numa disposição para os receber. Por isso considero que o fado passa por uma troca de emoções e de estados de espírito. Não concordo que o fado seja tristeza, para mim o fado é profundo, encara temáticas da vida, como a tristeza, a alegria, a saudade, a espera, o amor de uma forma profunda. São todos sentimentos humanos e que o fado vai buscar aqueles que são mais profundos.

O que representa o álbum “fado”?

Representa 25 anos da minha vida. Os únicos que tenho. Representa um conjunto de fados que descobri, que me ensinaram, que me ensinou a minha mãe, e as pessoas que eu fui ouvindo. Fados que aprendi por iniciativa própria, porque gostava deles ao ouvir outras pessoas a canta-los, e que já os canto desde que aprendi a cantar. Depois outros que foram surgindo ao longo dos anos, não só que fui cantando, como os que fui ouvindo e que agora tive coragem de os interpretar. Representa também o abrir de uma porta para o futuro. Representa ir ao encontro das pessoas que admiro, a escrever e a compor, permitindo coisas novas e inéditas para o meu reportório.

Ainda é possível inovar no fado?

Não sei. (risos) É difícil definir isso, o fado tem tido vários caminhos, e aqueles que ficam são aqueles que o povo, no sentido lato, quer e permite que fiquem. É preciso esperar para ver. Conheço a história do fado na década dos 30 e a forma como isso evolui para a geração da Amália. E foi ela, a Amália, a grande mentora, que permitiu um desenvolvimento e um abrir novos caminhos ao fado, através de novos compositores. Actualmente sabemos e consideramos as alterações e opções estéticas da Amália como algo clássico, como algo que ficou e que assumimos como fado, como nosso. As alterações que estão vindo a ser feitas no tempo actual, considero que só mais tarde saberemos.

Como vê a relação entre jovens e o fado?

Lindamente! (risos) Penso que com a vinda de vários fadistas, como a Mariza, abriram-se portas que têm tido uma grande projecção, tornando o fado mais popular entre os jovens. Eu própria sinto-me lisonjeada porque vejo muitos jovens nos concertos que faço. E reparem, estou a ser entrevistada por jovens. (risos). Eu também o sou, tenho 25 anos e sou igual a todos os jovens da minha idade, não sou diferente por gostar de fado. E é este meu gosto que desperta a curiosidade nos meus amigos, que vão ao meu encontro, aos meus concertos, ao encontro de outros fadistas para descobrir o fado.

                                                                                             Publicado em Março 2010

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um observador...

https://www.facebook.com/INTOUCH.Photography
Depois de ler o que ela tinha escrito, ele disse:

- Fiquei com vontade de escrever sobre pessoas bonitas e feias. Há pessoas que tu conheces e crias uma imagem bonita dela, tens quase a certeza que quando a conheceres melhor, porque sabes que isso vai acontecer, as tuas expectativas encaixarão na realidade.

- Desculpa interromper-te, mas acho que o que te leva a uma pessoa é sempre a beleza, isso vai determinar se tu queres conhecer ou não, se queres falar ou olhar para o lado e seguir em frente. 

- Não posso negar, acho que tens alguma razão. Mas, repara, tu já criaste uma imagem de alguém com quem nunca tinhas falado, as pessoas fazem isto, fazem-no diariamente, no autocarro, na biblioteca. Ás vezes estou sentado na esplanada ali em baixo e observo, como se fosse a primeira vez, cada pessoa que passa, cada gesto, cada movimento, cada expressão. Crio estórias, faço-lhes uma vida, cheia de sabores e dissabores, mas no fim são todos felizes.

Ela sorri.

- Sim eu sei, estou a brincar, mas não estou a mentir. Faço mesmo isto. Assim como, quando passo por uma casa com janelas ou portas abertas espreito sempre, e imagino uma romance ou um drama partilhado naquelas paredes. Já faz parte de mim, tu, melhor que ninguém, sabes disso. Mas deixa-me retomar à esplanada. Quando estou nesse processo criativo atribuo uma personalidade a cada uma das pessoas, preencho-a com boas características ou menos simpáticas. Quando te conheci, por exemplo, as tuas gargalhadas na mesa do lado chamaram-me à atenção, e o cuidado com que ouvias as pessoas com quem estavas fizeram-me perceber que eras carinhosa, não errei. Não foi a tua beleza que me fez ir ao teu encontro nesse dia, foram as gargalhadas e a harmonia dos teus dedos a brincar com a caixinha dos guardanapos. Estou a derrubar a tua argumentação. 

Ela volta a sorrir

- Não achas que tenho razão? Pelo menos alguma, confessa. Gosto das pessoas que fogem ao comum, aquelas que tu achas que são uma coisa e rapidamente te desarmam. É bom quando isto acontece. Repara que não estou a defender que as pessoas são feias, não, acredito que todos têm a sua beleza, que todos são bonitos por dentro, mas que existem pessoas que não combinam umas com as outras, que as energias são opostas e quase que afirmo que nunca serão amigas. Nunca criarão qualquer tipo de relação a não ser uma sensação amarga. Ao longo da minha existência não tenho falhado muito as minhas avaliações, talvez seja do tempo que dedico à observação, ou à exigência. Tu também és observadora, eu sei que sim...

- Sim, mas evito criar qualquer tipo de análise, porque ao contrário de ti, eu nunca errei numa avaliação...



                                                         (Para João Pedro Lima, um observador)

Call Me


Vens?

 (photo: Josh Sam)