segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

“O jornalismo é a arte de se saber contar uma história”


Miguel Sousa Tavares

É um contador de histórias que detesta o facebook e que fumará até morrer. Conhecido pela sua personalidade forte, Miguel Sousa Tavares não é indiferente a ninguém. Aos alunos de comunicação aqui ficam conselhos, a todos os outros leitores aqui fica uma história.



O que o levou a trocar Direito por Jornalismo?
Fiz essa troca para não morrer estúpido! Sim, foi para não morrer estúpido. Kafka dizia que só um homem pouco inteligente é que se contentava com o Direito, eu também achei isso.

Arrepende-se de ter deixado o projecto da Grande Reportagem?
Não me arrependo porque acho que os projectos têm um ciclo, e o meu ciclo máximo é de 10 anos em cada coisa. Já tinha feito tudo o que devia na Grande Reportagem. A verdade é que também já não tinha meios para fazer melhor, portanto não podia crescer, e a alternativa era ficar ali a vegetar e fazer uma coisa igual todos os meses, e para mim isso não era um grande desafio profissional.
                            
Acredita no jornalismo português?
Isso é uma pergunta muito difícil. Hoje em dia é difícil acreditar no jornalismo, não tanto por culpa dos jornalistas mas por culpa das condições de trabalho. Os jornalistas são cada vez pior pagos, há cada vez menos dinheiro para investir no jornalismo, para fazer boas reportagens, para se fazer coisas que realmente interessam. Assim é difícil ter um bom jornalismo.

Quais para si as principais características de um bom jornalista?
Um bom jornalista tem que ser culto, saber falar, pelo menos, duas línguas estrangeiras, tem que conhecer a história de Portugal, ter noções básicas sobre economia, sobre política, etc. Eu sou um grande crítico dos cursos de jornalismo, tal como temos em Portugal. Considero que são muito pouco práticos, não preparam os alunos para a vida jornalística. Acho que fazia muito mais sentido ter um curso dirigido às coisas que interessam. Repare, às vezes vejo peças jornalísticas sobre economia, por exemplo, e reparo que quem está a faze-las não tem noção de coisas básicas, como, a diferença entre a balança de pagamentos e a balança comercial, ou a diferença entre a divida e défice, isso faz-me impressão. Para quem estuda jornalismo, isto é importante saber, e deviam aprender no curso. Depois, acho que é preciso, cada vez mais, ter um espírito de missão. Existem várias profissões onde é preciso de facto ter uma vocação, e o jornalismo é uma delas, é preciso gostar muito disto. Portanto, é preciso também ter uma capacidade de disponibilidade enorme, para se viver o jornalismo. Não se faz um horário das 9 às 17horas, o jornalismo deve ser vivido o dia todo, trabalhar o dia todo, estar a ler outros jornais, estar a constatar outros meios de informação, estar permanentemente a par daqui que se passa. Ah! E saber escrever bem, um jornalista tem que escrever bem.

Qual a sua opinião sobre a organização Wikileaks?
Em relação ao wikileaks, eu já disse isto, acho que aquilo não tem nada a ver com jornalismo, rigorosamente nada! Acho que é uma violação de correspondência classificada, e uma entrega em bruto de informação aos jornais para que eles supostamente façam tratamento jornalístico, que na minha opinião não estão a fazer minimamente. Para além do mais há uma regra sagrada no jornalismo que é o contraditório, ou seja, nós quando damos a versão de uma parte temos que dar obrigatoriamente a outra parte. O wikileaks apenas se dirige à correspondência diplomática dos Estados Unidos da América, não nos diz nada sobre os países com os quais eles têm relações e às vezes até conflitos diplomáticos. Nós não temos um Wikileaks sobre correspondência diplomática da Líbia, da Coreia do Norte, do Irão, da Rússia, da China, etc. Portanto só temos um lado da coisa. É aquilo a que o jornalismo chama uma peça “one sided”, só um dos lados é que é ouvido. Nesse sentido eu sou muito crítico do wikileaks, na parte que diz respeito à correspondência diplomática dos EUA. Na outra parte, por exemplo, o envolvimento de tráfico de drogas dos governantes africanos, aí eu já acho que é bastante útil.

Fazer comentários semanais na televisão é suficiente para lhe alimentar o “bichinho” do jornalismo?
Não, mas ele já foi alimentado tanto tempo. (risos) Mas, por exemplo, este mês vou fazer uma serie de cinco reportagens sobre o candidatos presidenciais, assim vai dando para matar saudades.

Disse à revista Visão que teria mais receio de ter 20 anos hoje do que na sua época, mencionando, em tom de brincadeira, o facebook como um das possíveis causas. As redes sociais assustam-no?
Eu detesto o Facebook! Por acaso ainda há pouco recebi uma chamada de uma jornalista a revelar-me que agora há uma página de apoiantes meus, e perguntou-me se eu estava contente com isso. Respondi-lhe que me é completamente indiferente, jamais lá irei ver. Eu acho que o facebook é uma coisa que substitui as relações humanas, as relações pessoais. E eu ainda acredito no primado da relação pessoal. Nas redes sociais as relações passam-se num território desconhecido, onde ninguém sabe de facto quem são os outros, onde toda a gente expõe a sua intimidade, as suas vidas. Por exemplo, acho o cúmulo da estupidez que haja pessoas que perdem tempo a escrever “agora vou à casa de banho”, “agora vou jantar”, “agora acabei de jantar”. São coisas que me ultrapassam.

O facto de ser jornalista ajuda-o a ser melhor escritor?
A ser melhor escritor não, agora, ajuda-me a construir melhor as histórias. Sobretudo se escrevo um romance, eu acho que por ser jornalista tenho uma noção de como se conta uma história. O jornalismo é a arte de se saber contar uma história, por mais absurda que ela seja, por mais rápida. Se for uma história de dois minutos em televisão há uma técnica para se contar, o romance também tem uma técnica. A aprendizagem dessa técnica, ou melhor, a noção de que eu tenho que contar uma história que tem regras técnicas narrativas vem do jornalismo.

Qual o livro que mais gostou de escrever?
Foi o livro que publiquei recentemente, um livro infantil chamado Ismael e Chopin. É o meu melhor livro.

Já tem ideias para o próximo livro?
Tenho várias. Uma já morreu na gaveta definitivamente ao fim de 40 páginas, a outra ainda está a estrebuchar com umas 70 páginas, vamos ver se a aguento.

Vai deixar de fumar algum dia?
Vou! Acho que no meu enterro sou capaz de não fumar muito!

(Publicado em Janeiro,  2011)

Saltamos?



quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Gonçalo Cadilhe


Foto: Iolanda Silva


Há 17 anos que viaja pelos quatro cantos do mundo. Rejeita o rótulo de aventureiro, mas já visitou os cinco continentes apenas com uma mala às costas. Escreve, semanalmente, uma crónica das suas experiências no jornal Expresso, tendo também editados vários livros.








É formado em Gestão de Empresas mas optou pelo jornalismo, escrevendo as suas aventuras pelo mundo. Porquê essa escolha?
Com 14 ou 15 anos, ainda não se sabe o que se quer fazer da vida. Na altura, para ficar na mesma escola que os meus amigos, tive de escolher contabilidade. Por isso entrei na universidade para a licenciatura de gestão de empresas. Rapidamente percebi que não era uma coisa que me interessava. Ainda tive 7 meses a trabalhar como gestor de empresas, mas fiquei ainda mais convencido que não era por ai. Escolhi então essa ideia romântica de andar com uma mochila às costas à volta do mundo, a fazer um pouco de tudo o que me aparecia pela frente. Era uma ideia com consistência literária, pois os autores que eu gostava na minha juventude, como Hemingway, também fizeram um bocadinho de tudo até serem escritores. Via isso quase como um ritual de passagem. E tive sorte porque fui dos primeiros em Portugal a fazer isso.

Como iniciou a actividade de jornalista?
Fui batendo porta à porta. Queria publicar as crónicas das minhas viagens. Tinha já algum talento a escrever, o que me ajudou. A primeira revista que me aceitou foi a “Grande Reportagem”, do Miguel Sousa Tavares. Depois, a pouco e pouco, foram aparecendo mais revistas e foi formando o que se pode chamar de minha carreira.

Como é que financiou a sua primeira viagem?
Quando estava ainda na faculdade, em 1991, participei num concurso literário para jovens. Concorri com dois trabalhos. Um em meu nome e outro no nome de um amigo meu [risos]. Ganharam os dois. Os dois prémios juntos deram-me dinheiro suficiente para, nas férias de verão, ir ao México.

Nas viagens que faz não tem por hábito viajar de avião. Porquê?
Sou um viajante profissional. Para além de viagens, faço projectos. E cada projecto tem a sua condicionante e o seu fio condutor. Se a ideia é dar a volta ao mundo sem apanhar aviões, de facto não os apanho. Mas se falarmos de um projecto em que o objectivo é seguir a vida do Fernão de Magalhães e se eu quero ir à Micronésia, não vou embarcar numa nau de 1500 para lá chegar a partir do Chile. E é óbvio que quando se trata de conhecer bem um itinerário, que é prioritariamente o meu objectivo, não faz sentido andar de avião. Há quem diga que tenho medo, mas não é verdade.

Quando chega a um país diferente qual é a primeira coisa que procura?
Vivo de sensações imediatas e cada país tem a sua característica. E eu não procuro, as coisas caem-me em cima. Por exemplo, ao chegar a um país dos trópicos sinto logo aquele bafo de calor húmido. Reparo no clima. Mas, se chegar à China a primeira coisa em que reparo é nos olhos em bico das pessoas. Cada caso é um caso.

Atravessou África de Sul a Norte. A realidade do continente choca-o?
O que me choca é ver as imagens que passam na televisão. Essa questão de África ser subdesenvolvido somos nós que o vemos dessa maneira. Posso dizer, que, claro que há coisas bastante duras em África, como infraestruturas degradadas e coisas do género. Mas África é um continente rico, existe é um grande fosso entre os ricos e os pobres.

A televisão condiciona-nos a maneira como vemos o mundo?
Claramente. Choca-me a importância que a televisão tem na cultura ocidental. Pensamos o mundo por aquilo que vimos na televisão e essa não é totalmente a realidade. A grande busca no meu percurso tem sido não ser condicionado, ter a pureza do olhar, não ir com preconceitos já predefinidos. Para isso é-me essencial não ver televisão, não ver as notícias porque, ai, só se fala de situações extremas.

Considera-se um aventureiro?
Não, não me considero. Ser aventureiro, definitivamente, não tem nada a ver com viajar e explorar o mundo. Aventura é fazer o que quer que seja quando sabemos que temos quase todas as probabilidades contra nós e mesmo assim o fazemos. Naquilo que faço há muito poucas probabilidades contra mim. É um desporto de massas, milhares de pessoas fazem aquilo que eu faço. O que é, realmente, uma grande aventura é por um filho ao mundo e conseguir que ele cresça e encontre um mundo melhor do que aquele que temos agora.

Alguma vez se arrependeu da vida que escolheu?
Há uma frase que diz: não tenho direito de me arrepender daquilo que fiz, só tenho o direito de me arrepender daquilo que não tentei fazer. Chega? [risos]

Quantas línguas fala fluentemente?
As mais fáceis. As latinas: Português, Francês, Italiano e Espanhol. E, claro, o Inglês. Mas o sorriso serve para todo mundo, é uma língua universal.

Como está intelectualmente o nosso país?
Em relação aos anos em que eu cresci, em que tínhamos saído do 25 de Abril, o que chegava, dos adultos, aos jovens era um exemplo de contestação, de intervenção, de empenho, de compromisso, de grandes lutas partidárias. O país estava dividido em ideologias. Portanto, os jovens criaram um ambiente intelectualmente efervescente. Mas, hoje em dia, os adultos já não estão metidos nisso. Estão apenas interessados em bens materiais. Vejo que o país está muito apático. Muito empenhado em ter e mostrá-lo e pouco em ser e vive-lo.

Que países aconselharia aos jovens portugueses?
Aconselho a irem para os países mais pobres possíveis. Para quando alguém se lembrar de se queixar que somos pobres e que nos falta tudo, pelo menos esses, que estiveram, por exemplo, na Roménia ou na Moldávia, lhes façam ver a sorte que é viver neste país.

Lá fora ainda somos conhecidos como o país do Eusébio e da Amália? 
Agora somos o país do Figo e do Cristiano Ronaldo. E é quando somos alguma coisa. Temos de reconhecer que somos muitos pequeninos, talvez se tivéssemos uma pizza, que é um produto mundialmente conhecido... Mas temos os pastéis de bacalhau que não saem daqui. Não temos dimensão. Se estiver na América Latina pensam que sou brasileiro. Lá sabem que toda a gente fala espanhol menos no Brasil, em que toda a gente fala português, até na escola primária sabem isso. quando digo que sou português associam logo ao Brasil, não têm noção. Mas tenho orgulho em ser português, para o bem e para o mal.

                                                                                                            (Publicado em Janeiro, 2010)

Jornalismo


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Eles foram.


       Tinham decidido partir nesta nova aventura, sem saberem que seria uma aventura, poucos minutos após o nascer do sol. Naquela manhã ela estava deprimida, incomum nela, não sabia o que a incomodava. Tinha 32 anos, bem vividos, sempre de sorriso na cara, uns dias mais que outros. Ele com 27, jovem pouco aventureiro, sempre fora pacato e silencioso. 
      
 Contrastavam.

       Naquela manha ele perguntou-lhe: vamos embora? Sem pensar duas vezes ela respondeu-lhe: sim. Apontou para o mapa e lá foram rumo a Laos.
       Foi a primeira vez dele. Nela já era hábito. Talvez por isso ele tenha feito a pergunta. Sabia que ela não ia dizer que não.O desconforto do quotidiano vinha há muito tempo a apoderar-se do corpo dele. Trabalho pouco estimulante, comida sempre do mesmo sabor. Uma vida sem cheiro. A única cor que lhe restava era ela.
      Ela, bonita. Sempre com espirito jovem. Viajava sempre que podia, de preferência sozinha ou com uma única companhia. Não gostava de confusão. Nunca gostou. Talvez desprendida mas demasiado mimada para se notar. Mudava sempre que podia de trabalho. Trabalhava sete meses, viajava cinco. Há seis anos que fazia isto. Nunca parava. Ele era o seu porto seguro. O lar.
     Foram cinco dias. Três de viagem, dois para se instalarem.
     No meio da rua ele agarrou-lhe a mão, encostou-a contra o peito e disse-lhe ao ouvido:
     Deixamos tudo?
     Ela sorriu e entregou-lhe: temos tudo o que precisamos.

Tudo o resto deixara de fazer sentido.

Em Agosto de 2012 encontrei-os em Londres, foi a primeira vez que saíram de Laos.

"Conhecemos o John em Laos, procurava o amor da sua vida, encontrou-a aqui em Londres. Casam daqui a dois dias. Foi isto que nos fez vir cá, o amor"