segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Uma casa vazia

A casa está vazia, mas não é por isso que deixo de sentir os teus passos. 

Sem ti não há o cheiro a cigarros, roubaste o silêncio do peso que sempre carregaste pelos nossos corredores, tudo deixou de ser triste, mas a tua ausência sente-se. 
A miúda mantêm-se ali, sentada, batendo o pé ao som de uma música que só ela ouve, que só ela sente, que só ela sabe. Canta-a para ela, canta-a no seu interior, canta-a para ninguém ouvir.
Ora ri, ora chora, sempre sem um olhar de interesse por quem a olha. 
Vejo-a e procuro uma gargalhada, um som alegre, uma cor, uma luz, mas nem um movimento.
É uma pobre criança. Pobre porque é velha, não sabe o que está lá fora, não vai, não quer ir, nem sequer pensa em partir. Agarrou-se a uma música que só ela conhece. 

Recordo aquele tempo em que gargalhavas na sala, chamavas-me imbecil por ser tão infantil, rias de piadas sacadas do bolso, sem conteúdo, sem nada. Gritavas de alegria por tempos passados, onde foste um guerreiro de espada em punho. Eu nunca acreditei. Dizias que salvaste o mundo e que eu tinha de o fazer, estava no sangue da nossa família, "um dia quando tiveres filhos tens que passar a nossa missão", eu ria... ria e rio ao lembrar os teus olhos abertos, o teu cheiro a cachimbo e a tua tosse tão tua! 
As marcas foram-se e tu dia após dia deixaste-te ir...
O que é que a vida te fez?
O que fizeste tu à vida?




Aproximo-me, bem perto dela, abraço-a e sinto-lhe o cheiro a jasmim do cabelo, sinto o corpo pequeno e quente e digo-lhe: filha temos que salvar o mundo!


A casa está agora vazia, mas não é por isso que deixo de sentir os teus passos.
Nunca deixarei.




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